quinta-feira, 1 de setembro de 2011

AMIZADE FEMININA...




Alguém no Twitter escreveu esses dias que “as mulheres preferem seus animais de estimação a suas amigas”. A informação tinha como fonte uma pesquisa da empresa de rações inglesa Winalot, segundo a qual uma em cada cinco mulheres “contavam” a seus bichinhos fatos que não teriam confiança para revelar a ninguém.


Bem, não sei se tal informação leva à frase do Twitter. Mas ando reparando há muito tempo que, dentro e fora da internet, existe uma espécie de complô por aí colocando para baixo o valor da amizade entre mulheres. E não é de hoje.


Quem nunca leu ou ouviu algum comentário sobre mulher não ser amiga de mulher? Que saem juntas, mas que, no fundo, têm inveja uma da outra, falam mal pelas costas, contam seus segredos para os outros e puxam o tapete quando menos se espera? Dizem mais: os homens é que seria a verdadeira fraternidade, defendem uns aos outros até contra as próprias mulheres e nutrem a verdadeira amizade entre eles.


De onde exatamente saiu essa “verdade”?


Não sei, mas o que vejo na vida real é o oposto disso. Tenho amigas de escola que sabem que podem contar comigo e eu com elas, apesar do tempo (ou da falta de), apesar das vidas diferentes que levamos, apesar das idas e vindas de nossos caminhos.

Tenho amigas que conheci no trabalho e que, depois da troca de empresa, ficaram para todo o sempre. Amigas com quem encontrar é melhor do que psicanalista cromoterapia ou massagem relaxante. A vibração delas, mesmo que seja em um encontro de 10 minutos, faz meu dia ficar melhor e minha vida fazer sentido. Tenho amigas quase virtuais, com quem encontro pouco, mas com quem troco e-mails tão sinceros e importantes que eu deveria imprimi-los e guardar ou transformar em um livro.

Já contei segredos a elas e nunca me decepcionei. Tenho os de muitas delas na minha mente e no meu coração sem nunca ter contado a absolutamente ninguém. Já chorei nos ombros delas e muitas nos meus em momentos nos quais eu sofri junto, como se fossem meu próprio sangue.


Eu não diria que elas são muitas. Mas também não são poucas. São do tamanho exato do meu abraço. Elas me ensinam muito, no que dizem e no que fazem. E no que deixam de fazer. E no jeitinho que dão em tudo nessa nossa vida louca vida.

Indo além de mim: minha mãe sempre teve amiga de fé. Apesar da correria, ela também sempre teve um tempo especial para elas e desde pequena sempre percebi o quanto dividiam a vida, os problemas e as coisas boas.


Na terceira idade, o que vemos por aí? Mulheres que vão juntas ao cinema, vão de van ao teatro, aposentadas que almoçam ou tomam chá juntas pelos shoppings. Ou jogam biriba todos os domingos. Fazem-se companhia quando seus homens já passaram dessa pra uma melhor ou simplesmente só gostam de ficar em casa de pijama vendo campeonato de sinuca pela TV.

Mas o mais importante nem é a presença física. O mais bonito na amizade feminina é a troca de experiências, o coração escancarado, a falta de vergonha de mostrar as fraquezas. Os homens podem ser muito companheiros, podem agir de forma corporativa, mas são raros os que de fato se abrem e expressam o que sentem com frequência diante amigos.


Isso não os faz piores nem menores. Cada gênero sofre a ação da natureza e da cultura. E cada pessoa tem seu temperamento, sua criação, sua forma de querer viver a vida.


Apenas limpem a boca – homens e mulheres – antes de falar qualquer coisa sobre a amizade feminina. Ela não só existe como é forte e duradoura. Está num altar, é sagrada e é humana.

E tenho dito!


Martha Mendonça

MUTILAÇÃO NO DESERTO





Acho que todo mundo já ouviu falar na top model somali que foi circuncidada e fugiu de seu país. A história dessa moça é triste, mas de superação, e merece ser contada. Ela se chamaWaris Dirie e hoje é embaixadora da ONU contra a causa que fez o mundo tomar conhecimento: a mutilação genital feminina (FGM, na sigla em inglês). 


Aos cinco anos, Waris teve seu clitóris cortado, bem como os grandes e pequenos lábios. Depois, tudo foi costurado e apenas um buraquinho foi deixado para sair a urina e a menstruação. Se permanecesse na família, e não fugisse aos 13 anos, após ser forçada a casar, a cicatriz deixada pela costura seria cortada à faca pelo marido. 


Este era o ritual sagrado do casamento. Eu fico com o estômago revirado e os olhos marejados em pensar que seis mil meninas são submetidas a essa violência física e psicológica todos os dias no mundo todo. Essa mutilação causa dores, infecções e problemas na gestação. Muitas meninas morrem, e muitas mulheres já adultas também morrem por conta da FGM. 

O filme Flor do Deserto é baseado no livro que Waris escreveu sobre sua vida (“waris”, em somali, quer dizer “flor do deserto”). Depois de fugir de casa, atravessar o deserto a pé e encontrar sua avó na cidade grande, foi para Londres fazer faxina na Embaixada da Somália. Não desejava retornar ao seu país destroçado pela guerra civil, então passa a viver ilegalmente na capital britânica. Com a ajuda de uma vendedora de roupas, arranja emprego no Mc Donalds e começa a se estabilizar. É na lanchonete que conhece Terence Donovan (Terry Donaldson), famoso fotógrafo de moda que percebeu seu potencial como newface. 

Demora a se abrir para esta oportunidade e, quando decide fazer sucesso nas passarelas, descobre que não pode viajar porque seu visto vencera há seis anos. A solução é casar com o síndico da pensão onde mora, rapaz a princípio adorável, mas obstinado em conquistá-la. Depois de um ano, e com visto permanente, Waris ganha o mundo e a imprensa. É para uma jornalista que conta o dia que mudou sua vida. Não era aquele em que Donovan ofereceu se cartão, mas o da trágica tarde em que foi mutilada. O mundo se cala e ela é convidada a ser embaixadora da ONU. 

A história é pesada, mas o filme é esteticamente bonito, com cores fortes e belíssimas cenas do deserto. Quem faz o papel de Waris é Liya Kebede, top model etíope que também luta por uma causa nobre – a promoção da saúde materna e infantil. Pelas semelhanças entre a história de Waris e ela (são africanas, modelos e trabalham com a ONU), Liya é natural ao atuar, passa sinceridade na personagem. Já Sally Hawkins estereotipa Marilyn, a amiga vendedora de roupas, poderia ser menos exagerada. O ótimo Timothy Spall (Donaldson) e Craig Parkinson (Neil, o marido) retratam muito bem seus papéis, mas Anthony Mackie (Harold Jackson) parece estar sobrando na trama. Como disse um amigo, Harold não tem muito uma função a cumprir, ou melhor, tem: não tornar a Waris assexuada. Uma pena, porque o rapaz é talentoso. 


O fim do filme traz uma carga de engajamento muito grande, que é o da própria vida da Waris, mas, como cinema, não funciona muito. Na vida real – fora das telas –, essa militância torna a história dessa mulher, hoje com 45 anos, ainda mais especial.

Laura Lopes