segunda-feira, 23 de abril de 2012

CHEGOU A VEZ DAS MULHERES





Consolidação da presença feminina no pastorado leva à busca por novos modelos de liderança.

Por Vanessa Portella (http://tinyurl.com/25b6g5w)


Desde os tempos em que cabia às mulheres a exclusiva tarefa de ficarem em casa, cuidando dos afazeres domésticos e dos filhos, elas é maioria nas igrejas. Basta visitar um culto para se ter a impressão de que as mulheres são muito mais numerosas que os homens nas igrejas. Mas só há relativamente pouco tempo têm tido acesso ao local de mais destaque no templo: o púlpito. Ultimamente, o ministério feminino tem ganhado força, num mundo onde cada vez mais as mulheres se destacam. Em mais e mais igrejas evangélicas – tradicionais pentecostais ou neopentecostais –, a figura das pastoras, diaconisas, presbíteras e até bispas já se tornou rotineira, situação bem diferente do que ocorria no passado, quando ao gênero feminino eram reservados cargos de menor visibilidade, como cuidar de crianças ou lecionar na Escola Dominical. A Igreja Evangélica brasileira chega à segunda década do século 21 com uma face mais feminina do que nunca.


Segundo as estatísticas da organização Servindo Pastores e Líderes (SEPAL), quase 60% dos crentes brasileiros são mulheres. E, embora ninguém goste de assumir qualquer discriminação, é fato notório que a membresia feminina demorou bastante para sair das posições eclesiásticas periféricas e conseguir ascender à liderança. Mas que fique claro que não foi uma transformação consciente, planejada – como acontece com a maioria das mudanças de natureza social, a revolução feminina evangélica é parte de um todo. “
A Igreja passou a responder às necessidades da sociedade e essa mudança de paradigma se deu na medida em que a sociedade abriu-se para a liderança feminina nas mais diversas áreas”, diz o missionário Luís André Bruneto, coordenador de pesquisas da organização Servindo Pastores e Líderes (SEPAL).



O pesquisador situa tal metamorfose num passado recente. “Essa abertura à mulher ocorre nas décadas de 1970 e 80, e vai se refletir na Igreja principalmente nos anos 90, exatamente a época em que a Igreja brasileira mais se pulverizou e cresceu”, aponta. O surgimento de milhares de novas congregações evangélicas, fenômeno religioso contemporâneo no país, é uma explicação. “Isso se deu devido à necessidade de líderes que a própria Igreja possui”, acrescenta Bruneto. E as mulheres foram naturalmente pondo a mão no arado.


Agora, essa Igreja chega à segunda geração de líderes mulheres perguntando-se o que elas têm de melhor a oferecer. Embora, naturalmente, ainda haja muitas resistências à liderança de saias – e o Novo Testamento, de acordo com a ótica da interpretação, pode tanto legitimar como rejeitar o pastorado feminino –, diversas igrejas já se utilizam do trabalho das obreiras há bastante tempo. Denominações tradicionais como a Metodista e a Luterana adotam tradicionalmente o pastorado feminino, franqueando às mulheres até cargos de direção em suas organizações. Outras, como a Igreja do Evangelho Quadrangular (IEQ) – esta, de linha avivada –, têm nas suas origens a marcante presença feminina. Foi a canadense Aimee Mcpherson que fundou a organização, em 1923, nos Estados Unidos. Hoje, a Quadrangular está em mais de uma centena de países, inclusive no Brasil, onde é uma das dez maiores denominações evangélicas.


Essa participação da mulher é ativa, fluente e expressiva”, concorda a coordenadora nacional das Mulheres Quadrangulares, Mara de Barros Flores. “Já está provado que temos a capacidade, o amor e a unção necessários para o crescimento da Igreja”. Ela acredita que as denominações que rejeitam a participação feminina efetiva em cargos de liderança estão perdendo tempo. “A ajuda feminina que é ativa, fluente e expressiva”. Na IEQ, mulheres atuam em todas as funções eclesiásticas, chegando a ocupar 50% do ministério. E não basta ser simplesmente casada com um pastor – a candidata ao púlpito precisa seguir os trâmites estatutários e ter o mesmo estudo e preparo dos colegas de terno. “Além, claro, do chamado, da vocação e da liderança necessárias para estar à frente de uma igreja como pastora titular.”


Sonia do Nascimento Palmeira, presidente da Confederação de Mulheres da Igreja Metodista do Brasil, cita o exemplo de Marta Watts, primeira missionária da denominação a chegar ao Brasil, para destacar a importância do protagonismo feminino na obra de Deus. A obreira, vinculada à Sociedade de Missões Estrangeiras das Mulheres da Igreja Episcopal do Sul nos Estados Unidos veio com a tarefa de educar crianças e moças. No mesmo ano, fundou o Colégio Piracicabano, em Piracicaba (SP), que hoje é conhecido como Centro Cultural Marta Watts. Criou ainda um colégio em Petrópolis (RJ) e outro em Belo Horizonte (MG), colaborando sempre com as mulheres para que tivessem acesso à educação num tempo em que este direito lhes era constantemente negado. A ênfase nestes estabelecimentos era “ministrar uma educação liberal às moças para que seu horizonte intelectual e espiritual se ampliasse, preparando-as para agir com independência”, conforme o lema do Marta Watts.


“Proveito” – Sonia considera lamentável que ainda existam igrejas dominadas apenas por homens. “Vejo isso como um equívoco muito grande, pois a Palavra de Deus ensina exatamente o contrário. Jesus valorizou as mulheres. Elas foram criadas da mesma forma que os homens, com todo o potencial que eles têm também”. Para ela, o direito de exercer papel de destaque é tanto dos homens como das mulheres. “Na nossa Confederação, estamos preocupadas como Marta Watts esteve um dia, em impulsionar as mulheres de hoje a buscarem cada vez mais o seu lugar na Igreja e no mundo”, explica.


Tal lugar, segundo a psicóloga Isabelle Ludovico, deve passar necessariamente por qualidades tipicamente femininas, como a doçura e a afetividade. Em seu novo livro, O resgate do feminino, ela diz que o ambiente competitivo acabou roubando das mulheres aqueles aspectos comportamentais que sempre as diferenciaram dos homens, com consequências na qualidade da vida afetiva e espiritual – e que isso precisa ser revisto. “As mulheres assumem muitas atividades na igreja, e isso é movido por sua paixão pelo Reino de Deus”, diz (veja Entrevista abaixo).

“A participação da mulher em posições de liderança trouxe muito proveito para a Igreja”, endossa o pastor Carlos Barcelos, da Igreja Batista do Morumbi, em São Paulo. “Considero importante o olhar feminino, que contribui para a ampliação de percepções dos vários problemas que uma comunidade pode enfrentar”. Defensor do mérito, independentemente do gênero, Barcelos diz que o papel a ser exercido pela mulher na igreja depende de suas capacidades e habilidades. “Toda posição de liderança, seja preenchida por um homem ou mulher, demanda do líder o cultivo de uma vida cheia do Espírito, pois as decisões tomadas afetam a vida de muitas pessoas”, pondera. Por isso mesmo, acrescenta, a mulher não deve deixar de lado suas características para sentir-se aceita. “Quando a mulher pretende agir como homem, está no caminho da falha.”


O pastor sugere um reestudo hermenêutico do texto bíblico de I Timóteo 2.11, que comumente é usado para justificar uma suposta posição secundária da figura feminina no contexto da Igreja. Para ele, a expressão “ficar em silêncio” deve ser entendida num contexto de disputa por autoridade, inclusive sobre o homem. “Toda situação em que o homem se retrai e a mulher entra no espaço deixado por ele costuma trazer problemas sérios”, analisa. Às mulheres com destaque na igreja, Barcelos aconselha, sobretudo, que se submetam àquilo que o Espírito Santo lhes indicar. “Isso não pode ser contrário ao que a Bíblia ensina e nem uma bandeira reivindicando posições. Se determinada Irma tem convicção de um chamado, trabalhe com paciência até que surja a oportunidade de pô-lo em prática”.


Exercício dos dons – Blanche Bruno, pastora de missões e aconselhamento da Igreja Cristã Casa da Rocha, acha que o mais importante é o exercício dos dons para abençoar a congregação. “O Espírito é o mesmo que age em todos, mas Deus criou a mulher com sensibilidades particulares”, diz a obreira. “Nossos mecanismos de percepção são diferentes dos homens, e por isso o papel feminino, tão importante na família e no trabalho, também o é no âmbito da igreja”. Blanche, que juntamente com o marido, José Bruno, eram bispos na Igreja Renascer em Cristo até o ano passado, acredita que a igreja não funciona por causa dos cargos que as pessoas nela ocupam, mas pelo cumprimento do chamado de seus membros. “Quando isso acontece, cada um está no seu devido lugar, seja homem, seja mulher”.


A jovem Alyne Romeiro, assistente pedagógica e membro da Igreja Cristã da Trindade, avalia como seria uma igreja sem a participação de mulheres na liderança. Ela atua no ministério de louvor e organiza eventos para os jovens em sua igreja e acredita que Deus chama a cada um individualmente, independente do sexo. “Uma igreja sem mulheres à frente, seria uma igreja de poucas atividades, criatividade e talvez alguns detalhes passariam despercebidos. “Deus nos fez criativas, mais emocionais, preocupadas com detalhes, mais ouvintes, temos maior facilidade em abrir mão de nossas coisas.” Alyne não consegue se imaginar sentada, sem fazer nada. Não só pelo fato de ser filha de pastor, mas sim pelo fato de ser cristã. “É como se eu fosse devedora. Se quiser que todos sejam alcançados por essa graça, preciso trabalhar para isso e trabalho por amor e gratidão ao Senhor”, declara.


A valorização que Cristo fez da figura feminina é lembrada por Lia Casanova, ligada ao
Ministério Desperta Débora, como principal endosso a uma participação cada vez mais ativa da mulher na obra de Deus. . “Tenho firme convicção de que Deus nunca se agradou da forma como a mulher passou a ser tratada ao longo da história, por isso Jesus se deu ao trabalho constante de mostrar aos homens como devemos ser consideradas”, advoga. Ligada a um movimento nacional de oração integrado exclusivamente por mulheres, ela lembra o exemplo de grandes mulheres de fé na Bíblia, como Maria, a mãe de Jesus, e Madalena, que não negou seu Mestre nem nos momentos de maior perigo. “Nós somos feitas por Deus e devemos nos colocar em suas mãos para que possa nos usar para seu serviço e sua glória quando, onde e como quiser.”


(No final dessa matéria na revista Cristianismo Hoje, há uma entrevista com o diretor do SBPV. Em uma de suas respostas, ele argumenta que o título não é importante, pastora, e sim o pastoreio. Mas, argumento eu, porque os homens podem ser pastores, título, e exercer o pastoreio e mulheres só podem exercer o pastoreio? Nas mulheres, a legitimação da função é considerada orgulho e nos homens obediência à vontade de Deus. É pena que a revista não tenha buscado outras opiniões).


A CONVENÇÃO BATISTA BRASILEIRA, CBB, ACEITA PASTORAS.




Por que a Convenção Batista Brasileira não aceita mulheres como pastoras? Essa é uma pergunta recorrente cuja resposta nem sempre é a verdadeira. Dia desses respondi o questionário de um seminarista, que inclusive já havia entrevistado o diretor executivo da convenção batista do seu estado, que havia afirmado que a CBB não aceita pastoras. As perguntas e as respectivas respostas, que elucidam algumas dúvidas, estão a seguir:





1. Nós Já Temos 120 Pastoras Nas Igrejas Batistas do Brasil. O Que a Senhora Acha?







R. – Já somos mais de 140 pastoras e acredito que muitas outras pastoras serão ordenadas porque Deus continua chamando mulheres e as igrejas têm aberto as portas para que elas possam exercer seus ministérios. 





2. Mesmo Sem a Autorização da Convenção Batista, as Pessoas Continuam Ordenando Pastoras. O Que a Senhora Acha no Futuro, digo, daqui a cem anos.




Rp. A conclusão está errada. A Convenção Batista Brasileira aceita pastoras. Foi aprovado em 1999, em Serra Negra, um parecer em que a CBB reconhece que quem ordena pastoras (ou pastores) é a igreja. A CBB entende que ordenar pastores/pastoras é uma questão da igreja local e não da estrutura da CBB, tanto que eu, por exemplo, tenho, como pastora, uma coluna em O Jornal Batista (Caminhos da Mulher de Deus). Se a CBB fosse contra eu não escreveria no Jornal oficial da denominação. Portanto, se a igreja quer ordenar uma pastora a CBB não interfere e também não acha que isto é contra os princípios da CBB. Quem não aceita o ingresso das pastoras é a OPBB que é um órgão auxiliar e, mesmo assim, temos um grupo de pastoras que já tem a sua inscrição na OPBB, isto é, têm a carteira da OPBB. Acho que daqui a cem anos, e muito antes disso, esse assunto será tão normal quanto termos diaconisas em nossas igrejas hoje.




3. Os Batistas Ingleses Ordenam as Pastoras. Os Norte-Americanos Não. O Que a Senhora Pensa Disso?




R. Olha, os norte-americanos aceitam pastoras. Quem não aceita é a Convenção do Sul, o que é uma parte somente dos batistas dos EUA. Muitas outras convenções batistas daquele país aceitam pastoras. Os batistas ingleses já têm pastoras há muitas décadas. Acredito que a resistência ao ministério das pastoras é estritamente cultural, a uma discriminação de gênero, que permeia toda a nossa sociedade. Hoje, uma grande parte dos líderes mundiais aceitam pastoras.  TRÊS QUARTOS DOS LÍDERES MUNDIAIS ACEITAM PASTORAS. Este artigo versa sobre o resultado surpreendente de uma pesquisa realizada com os 4.500 líderes evangélicos mundiais que participaram do Terceiro Congresso de Lausanne realizado na África do Sul, em outubro de 2010: 75% desses líderes acham que as mulheres podem ser admitidas no ministério pastoral, contra apenas 20% que acham que não. Então o mundo mudou e o pensamento a respeito das pastoras também.





4. Quando da Organização da Primeira Igreja Batista Pelos Missionários Norte-Americanos, As Mulheres não podiam falar na Igreja. Em nossos dias as Mulheres são Pastoras. O que a Senhora acha do Futuro?




R. Isso foi há mais de 150 anos. Naquele tempo não havia diaconisas, líderes de igrejas, a eclesiologia era outra e a teologia estava em outro estágio. Hoje as mulheres são líderes nas igrejas independentemente de serem pastoras ou não. Hoje há uma compreensão maior, um novo olhar teológico a respeito do papel das mulheres na liderança de igrejas.




5. Os Homens Jovens Solteiros Não Podiam Ser Pastores e Agora Podem. E as Mulheres Não Podem Ser Pastoras. O Que a Irmã Acha Disso?


Café da Manha com Pastoras e Lideres de Mulheres
africafol.com

R. As mulheres podem ser pastoras. O pressuposto está errado. Há uma resistência de uma parcela de pastores e igrejas. Tanto que já temos mais de 140 pastoras. E a CBB não é contra. Elas somente não podem ingressar na OPBB, ainda. Reafirmo que essas resistências não são teológicas, mas culturais.





6. Suas Conclusões

R. Minha conclusão é que o ministério pastoral feminino é uma realidade irreversível. Todos os seminários, de todas as denominações, preparam as mulheres para o ministério, reconhecendo que Deus vocaciona as mulheres também. A resistência é somente ao título de pastoras porque grande parte destas vocacionadas, na prática, exerce o ministério pastoral nas igrejas. Por isso que reafirmo que é uma questão de gênero, de preconceito cultural. À medida que essas barreiras forem sendo vencidas na sociedade, também as venceremos na igreja. Se os pastores, especialmente, fossem mais ensináveis, se refletíssemos mais a respeito das tradições, se tivéssemos um estudo teológico mais sadio  e se fossemos mais sensíveis à ação do Espírito Santo, as pastoras não teriam as resistências que têm.