segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

A MULHER NO PODER



Dilma, primeira mulher eleita presidente do Brasil, promete valorizar a democracia, erradicar a miséria e unir o País, dividido por uma campanha acirrada.





Cláudio Dantas Sequeira, Hugo Marques e Luiza Villaméa

MOMENTOS MÁGICOS 
Dilma chega ao palanque para seu primeiro discurso como eleita.

Exatamente às 20h14, do domingo 31, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Ricardo Lewandowsky, condedeu uma pequena entrevista coletiva anunciando que já tinha o resultado das eleições presidenciais de 2010. A poucos quilômetros dali, em uma ampla casa no Lago Sul, uma das regiões mais nobres de Brasília, Dilma Rousseff e seus principais assessores acompanhavam atentamente a fala do presidente do TSE. Mal Lewandowsky terminou de pronunciar a frase “oficialmente eleita”, Dilma bateu com as duas mãos sobre as pernas, levantou-se do sofá e disse: “Acabou!” As pessoas que dividiam com ela a ampla sala da casa que se tornou o quartel general da campanha não tiveram dúvidas de que Dilma falava muito mais para si mesma do que para os seus interlocutores. Em poucos segundos um clima de euforia contida tomou conta do ambiente. Dilma foi abraçada de forma efusiva por Fernando Pimentel, pelo deputado federal Antônio Palocci, pelo presidente do PT, José Eduardo Dutra, e pelo secretário geral do partido, José Eduardo Cardozo, os três mosqueteiros que dividiram as últimas e apreensivas horas com a presidente eleita.
Primeiro discurso
l Sobre as mulheres: “Já registro aqui meu primeiro compromisso após a eleição: honrar as mulheres brasileiras (...). A igualdade de oportunidades para homens e mulheres é um princípio essencial da democracia. Gostaria muito que os pais e as mães de meninas olhassem hoje nos olhos delas e lhes dissessem: ‘Sim, a mulher pode! ’”
l Sobre as liberdades: “Valorizar a democracia em toda sua dimensão, desde o direito de opinião e expressão até os direitos essenciais da alimentação, do emprego e da renda, da moradia digna e da paz social. Zelarei pela mais ampla e irrestrita liberdade de imprensa. Zelarei pela mais ampla liberdade religiosa e de culto”
l Sobre a pobreza: “Não podemos descansar enquanto houver brasileiros com fome, enquanto houver famílias morando nas ruas, enquanto crianças pobres estiverem abandonadas à própria sorte. A erradicação da miséria nos próximos anos é, assim, uma meta que assumo”
l Sobre a economia: “Acima de tudo quero reafirmar nosso compromisso com a estabilidade da economia e das regras econômicas, dos contratos firmados e das conquistas estabelecidas”










Da mansão no Lago Sul, Dilma saiu diretamente para o Hotel Naoum, onde um batalhão de correligionários, lideranças partidárias e um pequeno exército de jornalistas brasileiros e estrangeiros a aguardava. Lá, em um discurso sem arroubos épicos, afirmativo e conciliador, Dilma reafirmou seu compromisso com a democracia e as liberdades individuais dos brasileiros. “Zelarei pela mais ampla e irrestrita liberdade de imprensa. Zelarei pela mais ampla liberdade religiosa. Zelarei, enfim, pela nossa Constituição, dever maior da Presidência da República”. Durante o discurso, de exatos 25 minutos, Dilma Rousseff também procurou dissipar o clima beligerante que tomou conta de todo o segundo turno de uma das eleições mais agressivas do país desde o fim da Ditadura Militar, em 1985. “Aos partidos de oposição e aos setores da sociedade que não estiveram conosco nessa caminha, estendo minha mão. De minha parte não haverá discriminação, privilégios ou compadrio”, afirmou a presidente eleita, para logo em seguida deixar-se emocionar ao agradecer o presidente Luís Inácio Lula da Silva pelo apoio que lhe deu antes e durante toda a corrida eleitoral. Ao fim do discurso, Dilma não ficou para a festa. Preferiu ir direto ao Palácio da Alvorada agradecer pessoalmente seu padrinho num encontro reservado e cheio de emoção. Assim que chegou à sua futura residência, Dilma recebeu um abraço apertado de Lula, um beijo no rosto e ouviu: “Parabéns! Você conseguiu! Você foi guerreira, merecedora da vitória”, afirmou o presidente, diante do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, e do ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha.

DESDE CEDO
Dilma começou o dia da vitória com um café da manhã com correligionários em Porto Alegre









FESTA
Enquanto os simpatizantes do PT comemoravam a vitória de Dilma na Avenida Paulista,
Serra admitia a derrota no Comitê Central do PSDB.
Ele disse que o partido inicia uma “nova luta”

Mais do que conseguir uma vitória política, na noite do domingo 31 Dilma Rousseff entrou em definitivo para a história do Brasil. Cinco séculos após o descobrimento do País e 121 anos depois da proclamação da República, pela primeira vez uma mulher é escolhida para comandar a uma das cinco maiores democracias do mundo. Eleita com mais de 55 milhões de votos, ou 56% da votação válida, Dilma Vana Rousseff se tornou a 36º presidente e a 19º pessoa a ser escolhida por decisão direta do povo brasileiro para comandar o País. Ainda no começo de seu pronunciamento de vitória Dilma deixou claro que sabe exatamente a dimensão do acontecimento. A presidente eleita fez questão de dizer que seu primeiro compromisso como maior mandatária do País seria honrar as mulheres brasileiras, “para que este fato, até hoje inédito, se transforme num evento natural”.
No dia em que se tornou a primeira mulher presidente eleita do Brasil, Dilma Rousseff acordou cedo no apartamento de cobertura que mantém em Porto Alegre, cidade na qual viveu de 1973 até 2003, quando assumiu o Ministério das Minas e Energia, em Brasília. Nas primeiras horas do dia entregou-se aos cuidados da maquiadora Rose Paz, que a acompanhou durante a campanha eleitoral. Na sequência, seguiu uma tradição gaúcha. Há décadas, candidato do Rio Grande do Sul que se preze começa o dia da eleição tomando o café da manhã com os aliados. O desjejum de Dilma, no hotel Plaza São Rafael, não poderia ter sido mais concorrido. Mais de 600 personalidades disputaram os 200 convites disponíveis. Às 8h40, quando Dilma entrou no salão, amigos e representantes do amplo leque de alianças da presidente eleita a receberam de pé, cantando jingles de campanha antes associados ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Pouco depois, na zona sul da cidade, Dilma entrou na escola que votaria debaixo de uma chuva de pétalas de rosa e gritos de “presidente”. As pétalas de flores, lançadas ao mesmo tempo em que balões cor de rosa eram soltos, foram iniciativa de um grupo de antigos militantes do PDT que migrou para o PT na mesma época que Dilma. A maioria deles conhece a presidente eleita desde os tempos de seu desembarque em Porto Alegre para morar com os pais de seu então marido, o advogado Carlos Franklin Paixão Araújo, preso por ser uma das principais lideranças da organização VAR-Palmares. Logo depois de votar, Dilma passou mais de duas horas no apartamento de sua filha única, Paula, que fica nas proximidades da escola. Mais tarde, seguida pela filha, pelo genro, e pelo neto Gabriel, nascido em setembro, ela foi para a casa do ex-marido.



Dilma Rousseff só chegou no início da tarde em Brasília. Isolou-se com seus principais assessores na Casa do Lago Sul e não falou com praticamente ninguém durante os momentos que antecederam o anúncio de que fora eleita presidente. Logo após Lewandosky anunciar o resultado oficial, ele ligou para Dilma para parabenizá-la. O segundo telefonema que ela recebeu foi de sua filha, Paula. “Dê um beijo no Gabriel por mim”, disse Dilma, emocionada, referindo-se ao neto. Palocci e Pimentel comemoravam a vitória tomando uísque e fazendo pequenas correções no discurso que Dilma iria proferir menos de uma hora depois. Antes de Dilma deixar sua residência, Palocci recebeu uma ligação do chefe de Gabinete da Presidência, Gilberto Carvalho, que já estava no Hotel Naoum, local escolhido por Dilma para fazer seu pronunciamento à Nação. “Palocci, por que vocês estão demorando tanto?”, perguntou Carvalho. “A Dilma está esperando um telefonema do José Serra, ela só quer deixar a casa depois que o Serra telefonar para ela”, explicou Palocci. “O que é isso, já faz mais de meia hora que já foi anunciada a vitória da Dilma e o Serra não ligou? Vem para o hotel todo mundo”, disse Gilberto. O secretário geral Presidência estranhou que, mais de trinta minutos depois da coletiva do presidente do TSE, Serra ainda não havia entrado em contato para admitir a derrota e parabenizar a eleita. O ex-governador paulista ligou logo em seguida e, ainda na noite de domingo, quebraria outro protocolo da política. Só se manifestou publicamente depois de Dilma ter feito seu pronunciamento oficial.





HORA DA URNA
Num colégio da capital gaúcha (acima), Dilma vota e faz o “V” da vitória.
Lula votou em São Bernardo (abaixo)











NA CABEÇA
No centro de São Paulo, populares se enfeitaram para a festa da democracia



Em São Paulo, cinco minutos depois do discurso de Dilma, o tucano reapareceu no comitê central de sua campanha, acompanhado da mulher, da filha, Verônica, e de vários aliados políticos. “Recebemos com respeito e humildade a voz do povo nas ruas. Eu disputei com muito orgulho a Presidência. Quis o povo que não fosse agora. Digo aqui de coração que sou muito grato aos 43,6 milhões que votaram em mim”, afirmou José Serra, que também cumprimentou Dilma Rousseff pela vitória. “Que faça bem para o nosso país”. Serra aproveitou para agradecer ao apoio de seus principais aliados. Reforçou os agradecimentos ao governador eleito Geraldo Alckmin, ao presidente do PSDB, Sérgio Guerra, e ao governador paulista, Alberto Goldman. O candidato tucano, no entanto, preferiu não citar o senador eleito por Minas Gerais, Aécio Neves, com quem disputou a vaga para ser o candidato à presidência pelo PSDB. Outra ausência – tanto no evento quanto nos agradecimentos de Serra – foi a do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, alijado da campanha do candidato tucano durante todo o primeiro turno. Ao final do discurso, Serra alimentou as especulações de que não desistiu do seu sonho de ser presidente da República. “Minha mensagem de despedida neste momento não é um adeus, mas um até logo. A luta continua. Viva o Brasil”, disse.
Nas ruas, o clima era menos efusivo. Foram poucos os correligionários de José Serra ou mesmo de Dilma Rousseff que manifestaram a frustração pela derrota ou a alegria da vitória. Ao contrário do clima de guerra que se instaurou no segundo turno, o domingo foi tranquilo.



Em praticamente todas as grandes cidades brasileiras as festas partidárias foram pequenas. Em São Paulo um grupo de cerca de 700 pessoas ligadas ao PT tomou o vão do Museu de Arte de São Paulo, o Masp, para comemorar a vitória de Dilma. Muitos ironizavam o padre Cléber Leandro de Oliveira que, pela manhã, procurou tirar votos de Dilma durante uma missa em Guarulhos. O padre atendia ao apelo do bispo conservador dom Luiz Bergonzini, que tinha procurado ligar Dilma à defesa do aborto. No Rio de Janeiro um número ainda menor de militantes foi para a orla do Leme, na Zona Sul Carioca, para festejar a vitória da pestista. Apenas em Brasília um evento maior foi organizado na Esplanada dos Ministérios para comemorar a vitória de Agnelo Queiroz e de Dilma. Mas a presidente eleita acabou abrindo mão das comemorações. Após encontrar-se com Lula no Alvorada, Dilma voltou para sua casa, no Lago Sul. Ainda não era uma hora da manhã de segunda-feira quando ela começou a se preparar para a primeira noite de sono como presidente eleita do Brasil.

 
REAÇÃO
No domingo da eleição, o padre Cléber Leandro de Oliveira reagiu contra o apoio obtido por Dilma.
Em missa na igreja de Guarulhos, ele pediu que os fiéis não votassem no PT





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